116 - “Nove mil quilômetros de dois andarilhos”
116 - Recordar é viver:
46 anos depois…..
“Nove mil quilômetros de dois andarilhos”
Odalberto Domingos Casonato
Contexto:
Uma narrativa de viagem de férias pelo Paraguai, Argentina, Chile, dos estudantes Ary César Minella e Odalberto Domingos Casonatto, utilizando carona e levando apenas uma mochila com o essencial para sobrevivência. Se passaram 46 anos hoje a realidade e outra, as caronas são escassas, os perigos se multiplicaram, e as dificuldades são outras. Hoje se tem mais facilidades em locomoção em informações, de itinerários e a sobrevivência está facilitada.
O que foi descrito do Paraguai mudou, isto é compreensível. Mas as informações não deixam de ser interessantes.
Para nós iniciando na Universidade, tudo foi desafio, a começar com a língua, o castelhano. Recordo que utilizando um ônibus urbano em Porto Strossner, nos deparamos com o motorista, pedindo o “boleto”, que seria este “boleto”, depois por dedução se calculou que fosse a passagem. Muitos motoristas de caminhão no Paraguaia falavam bem o guarani e arranhavam o castelhano, para nós as dificuldades foram enormes na comunicação, mais gestos que palavras.
Lembro a noite passada na porta de entrada da Catedral de Assunção, choveu toda a noite, pelo menos se defendia da chuva, o jeito foi contar as horas para chegar o dia, que felizmente abriu em dia de verão. Estes foram desafios e lembranças que alimentam agora os dias de aposentadoria.
Publicado no Correio Riograndense de 12 a 20 de março de 1971, página 8
Dois universitários Ary César Minella e Odalberto Domingos Casonatto deixaram Vacaria no dia 27 de dezembro passado. Apenas uma mochila às costas, uma apresentação do Correio Riograndense no bolso e uma ideia bem definida: conhecer o Paraguai a Argentina e o Chile. Durante 46 dias os dois andarilhos fizeram aproximadamente nove mil quilômetros. O roteiro iniciado em Vacaria prolongou-se por Curitiba, Foz do Iguaçu, Assunção, depois uma esticada até Santiago do Chile e o regresso por Bariloche. Buenos Aires, Uruguaiana, Porto Alegre e finalmente em Vacaria. Quase tudo aconteceu nesta viagem, feita exclusivamente na base da carona. Viagens em caminhões, carros americanos de turistas ricos, humildes carroças e muitas vezes, a pé’.
Bom tempo, chuvas, calor, frio e neve revezando-se. Dormindo as vezes ao relento sob o céu estrelado, num banco da praça, num carro abandonado, num galpão, em conventos e (não tão desagradável assim quando não se tem culpa em cartório) em postos policiais. Foram por mil lugares diferentes e belos. Vez ou outra topavam com um patrício. Já na fronteira paranaense, na Foz do Iguaçu, depararam com um tal senhor Sgarioni, nascido em Flores da Cunha e residente em Cascavel. O papel timbrado do Correio Riograndense valeu uma churrascada, pois ele também é assinante do jornal.
Paraguai.
Com uma população pouco superior a dois milhões de habitantes agrupados em 400 mil quilômetros quadrados, o Paraguai tem na agricultura sua principal fonte de renda. O turista brasileiro que visita as Cataratas do Iguaçu, geralmente chega até Assunção ou pelo menos pisa em solo Paraguaio. Atravessando o rio Paraná pela majestosa ponte da Amizade (552 metros de vão e 80 metros de altura) chega-se a Porto Presidente Stroessner, porta de acesso aquele pais.
A represa e o Hotel cassino Acaray merecem uma visita . Afora isto, existe o Santuário da Virgem de Caacupé, que anualmente a 8 de dezembro reúne milhares de peregrinos.
Situada na margem esquerda do rio Paraguai, Assunção conta com 400 mil habitantes. O turista convencional já encontra um roteiro feito: Catedral Metropolitana, Panteão dos Heróis (onde está a sepultura de Solano Lopes) Casa do governo, Jardim Botânico e alguns Museus. Proliferam as lojinhas de artesanatos em toda a cidade onde é possível comprar artigos de fabricação indígena, ponchos, colares...
A 48 quilômetros da capital por caminho asfaltado está a histórica cidade de Yaguaron, fundada em 1539, onde os missionários franciscanos deixaram um templo, que os entendidos classificam entre os mais bonitos da América do Sul.
Comunicação.
Dois idiomas são correntes no Paraguai: o castelhano e o guarani. Seus jornais mais importantes são: “La Tribuna” e “ABC Color”. “Comunidade” é o órgão oficial da Conferência Episcopal Paraguaia foi fechado pelo governo em 1969. Oito emissoras de rádio e um canal de TV (filmes americanos e novelas argentinas) completam o quadro. No setor de ensino, o Paraguai conta com duas Universidades uma Federal e outra Católica. Cada mil paraguaios três chegam Universidade, no entanto” são escassos os recursos financeiros para a educação. Há igualmente falta de professores especializados.
Agricultura.
A população rural representa 63,9 % da população do país. No entanto o agricultor é pobre e marginalizado e no interior, a maioria das habitações não tem as mínimas condições higiênicas. O grande pecado social do país é a exploração escandalosa a que está voltado o agricultor. Todos ganham, menos ele. Os atravessadores, estes sim, progridem.
O governo concede incentivos para estrangeiros que pretendem trabalhar no setor rural. Algodão, arroz, batata, fumo, mandioca e milho constituem as principais culturas. O transporte fluvial (Paraná e Paraguai) é responsável pelo escoamento de 97 % dos produtos. O Paraguai constitui-se em fronteira aberta aos artigos estrangeiros. Cigarros, uísque, carros, roupas estrangeiras, estão em toda a parte. O êxodo humano e um dos principais problemas do Paraguaios. A Argentina é a grande beneficiada.
Política.
Três partidos orientam a vida política do país. O Colorado no poder, o Partido Revolucionário Febrerista e o liberal. O General Alfredo Stroessner dirige o pais desde 1954. Embora teoricamente uma democracia, na pratica o Paraguaia é uma ditadura. A liberdade de imprensa é restrita e a oposição política não tem garantias. A própria Igreja encontra dificuldades na pregação da justiça social o Futebol lá também é uma grande válvula de escape do povo. A dança, as canções (argentinas e brasileiras) e o cinema igualmente apreciados.
O crescimento paraguaio é da ordem de 3,6 % e há um veículo para cada 110 habitantes.
Um conselho.
Andarilhos e mochileiros são muitos estão em toda a parte. Ary César e Odalberto deixam um conselho para quem tenciona empreender uma aventura semelhante. O mochileiro é encarado com curiosidade admiração, desprezo e também com temor. Geralmente é estudante em Férias que viaja assim por ser mais econômico e ter sabor de aventura. Viajamos também pela Argentina e Chile. Naqueles países os mochileiros são mais comuns. Para quem viaja assim aconselhamos a não ir barbudo ou cabeludo (“pelo largo” como diz o argentino) pois terá mais facilidade de arranjar carona. Na Argentina é tão comum esse modo de andar que até realizaram o “festival dos mochileiros”.
Agora Ary e Odalberto estão estudando em Porto Alegre, fazendo planos para novas excursões nas próximas férias. É uma maneira barata de viajar, com sabor de aventura.
Este artigo foi publicado em:
“Nove mil quilômetros de dois andarilhos”,
Correio Riograndense 13 a 20 de março de 1971, página 8.