133 - Minha Mãe e suas colchas de crochê.
133 - Minha Mãe e suas colchas de crochê.
Prof. Dr. Odalberto Domingos Casonatto
A mãe Orélia Camilotti Casonatto foi agraciada por Deus com a arte do artesanato. Inúmeros trabalhos realizou durante os seus 94 anos de vida. Além de ser exímia costureira, trabalhando parte de sua vida fazendo camisas, trocando colarinhos ou diminuindo de tamanho quando a pessoa emagrecia. Trabalho este, que desapareceu com o advento das confecções em série. Na época das costureiras o cliente comprava o tecido, escolhia a cor preferida, a qualidade de tecido e levava para costureira que confeccionava as camisas sob-medida. Esta realidade não existe mais.
Na era em que vivemos com as roupas confeccionadas em série, as costureiras foram desaparecendo, minha Mãe mudou de trabalho e apostou em seus dons artesanais, começou fazer colchas de crochê e tricô de todas as formas. Crochê e tricô que na sua infância aprenderá, juntamente com outras cinco irmãs suas e nunca mais esquecera, sua mãe ensinou as filhas o artesanato a arte do crochê e tricô etc, ela foi uma costureira de mão cheia. Todas as suas irmãs são artistas, a Carmem e a Teresinha são pintoras, a Zelma, artista plástica e a mãe e a Mariazinha desenvolveram a arte com dos fios de linha e lã.
Para ela este aprendizado não foi em vão e no futuro está arte a esperava, fazer colchas de crochê e tricô, toalhas e guardanapos passando assim suas horas de “folga”, (mesmo assistindo televisão), no trabalho com as colchas. Quantas vezes a noite percebíamos que parando de fazer crochê, iniciava uma pausa de sono. Era o cansaço do dia que chegava. Brincavamos com ela dizendo, estás fazendo crochê dormindo.
Suas colchas foram adquirindo fama, todas suas irmãs compravam dela colchas que presenteavam as amigas. Embora fazer colchas artesanalmente não enriqueça ninguém por causa do alto custo das linhas e da lã, juntando os meses de trabalho. Para ela, sempre ficava a sensação de um trabalho realizado e uma freguesa satisfeita. Sua realização estava na beleza das colchas que iam se confeccionando. Parecia que tricotear fazia parte dela como o alimento sustenta a nossa vida, sem este trabalho não sobreviveria.
Cresci acompanhando seu trabalho, nos invernos vacarianos sempre ao lado da janela da frente com o sol brilhando depois de uma geada lá estava ela trabalhando.
Chegando aos 85 anos uma catarata no olho começou a atrapalhar seu trabalho, mas uma operação bem sucedida devolveu novamente a visão. Assim o crochê e o tricô não pararam.
Durante sua vida de trabalho sempre presenteou as comunidades de Igreja com toalhas de altar de crochê, guardanapos de crochê quadrados, redondos etc... Sabia que a casa de Deus tinha que ter o melhor, quando ainda solteira zelava pela ornamentação da capela da linha 17, município de Casca. Fazer isto, não era peso. Assim presenteou toalhas a Catedral de Vacaria, a Igreja da Glória, a Igreja de São João de Sananduva, a Capela da Casa das Idosas das Irmãs de São José, a capela do Hospital N. Sra. da Oliveira.
Em sua criatividade começou fazer colchas de tricô, com fios de lã, que eram reaproveitados (reciclados) de blusas de lã antigas. Blusas que nos presenteava quando éramos crianças, na juventude e na idade adulta. Muitas delas ainda conservo e faço uso nos dias frios. Estas blusas por mais de 40 anos me ajudaram a enfrentar os invernos frios do Rio Grande do Sul. Assim destas antigas blusas (agora com a lã reciclada) tenho 3 colchas de casal feitas por minha mãe, coloridas que certamente não terminarei, ficará para a próxima geração. Recordo com alegria pois tinha sempre um trabalho a ajudar, desmanchar as blusas e enrolar os fios em bolas. As cores eram misturadas nos quadros dando um aspecto de vida e alegria. Dormir numa noite de inverno com uma destas colchas lembra o calor, a dedicação e a criatividade de minha mãe. Mesmo porque cada fio de lã destas colchas lembra parte da história vivida ao longo dos anos. Sou agradecido porque nunca me cobrou um centavo pelo trabalho.
Hoje, pouco se valoriza este trabalho, nossa juventude encontra tudo feito e encontra outras formas de utilização do tempo. Não se interessa ter mãos artesanais e nem as mães ensinam suas filhas, para trabalhos manuais, tricô, crochê etc. Valores que se perderam e que trazem consequências que ainda não sabemos
Dela guardo como relíquia, toalhas de mesa, capas de travesseiros, uma colcha de crochê branca de solteiro, e mais adiante me presenteou com uma colcha de crochê de casal de cor branca.
Insistia aos 94 anos a fazer crochê, apesar de seus braços não suportarem o peso das colchas mesmo assim não parou até chegar seu tempo de repouso. Deixou para nós um legado inestimável, perseverança no trabalho, adaptação aos tempos que iam mudando e como artesã no trabalho com fios de linha e lã um trabalho insubstituível.
Uma vantagem de tudo isto ela recebeu como recompensa. Sua memória permaneceu inalterada até o final de sua vida seus órgãos só pararam de funcionar por causa da idade avançada, não por causa de enfermidades. Que Deus a recompense.
Nota: Qual a diferença entre crochê e tricô?
O tricô é feito com duas agulhas e é mais usado para peças de lã.
O crochê é feito com uma agulha só e é mais usado para peças de linha, mais delicadas.